Já anda o cheiro da Páscoa no ar. É porque é Primavera e o sol já deu o ar de sua graça, as campainhas brancas crescem por todo o lado e as primaveras que estão ali arrumadinhas no canto do jardim soltam o seu perfume para que ninguém se esqueça que ela já chegou. As heras cobrem os muros mais altos das quintas e as andorinhas chegam em bandos e fazem ninho nos beirais.
É engraçado como o cheiro da Primavera me desperta estas lembranças e os sons de Março me fazem recordar a minha infância…
Lembro-me bem que quando eu ainda andava de totós e faltavam ainda mais de quinze dias para a pascoa, já a minha mãe andava pela casa a falar nas limpezas. Tanto falava que alguns dias antes já estávamos fartos das ditas. Claro que a casa estava limpa, mas a Páscoa sem limpezas a fundo, sem tirar os tapetes, lavar cortinas e tudo ficar a cheirar a limpo não era pascoa! Mudávamos as colchas das camas, pintávamos as paredes cheias de humidade do inverno e esfregávamos os passeios. Havia sempre que limpar até à noite do sábado de pascoa. Eu ajudava sempre nestas lides e depois ficava a ver a minha mãe terminar a minha roupa nova, tradição desde sempre seguida lá em casa. Todos os anos tinha um vestido ou uma saia de pregas, uma camisola ou uma blusa nova, tudo feito pela mão da minha mãe, sim, que naquele tempo não havia dinheiro para ir à boutique. Depois caia para o lado ainda de cabelo molhado do banho, extenuada mas feliz. De manha como por milagre, a roupa estava pronta, a minha mãe já de pé a dar os últimos retoques nas jarras de flores cheirosas do nosso jardim. Na mesa duas velas e Jesus na cruz. Estávamos prontos para receber o compasso. Para receber o Senhor como se diz cá na terra.
O cortejo pascal vinha cedo, muito cedo, pouco depois do galo cantar e durava menos de cinco minutos. Eles entravam em alvoroço com as suas opas vermelhas, na frente, o mais velho e responsável trazia a cruz, que todos beijávamos religiosamente. Os outros atrás. Estendiam o saquinho para as moedas e depois a mão para o cumprimento pascal. Tão depressa como tinham chegado desapareciam pela rua fazendo-se anunciar por campainhas alegres e aleluias, aleluias.
Depois era hora de tomar o pequeno-almoço, nesse dia incluía pão-de-ló e doces de romaria. Ovos cozidos tingidos com casca de cebola que comíamos mais pelo prazer de os partir uns na cabeça dos outros do que de os comer. Depois disto a tradição mandava ir a casa da madrinha, receber a tradicional notinha, a rosca de pão-de-ló e a saquinha das amêndoas. A minha madrinha era a minha avó e tinha sempre a casa cheia de gente nesse dia. Era uma festa. Vinham os primos do Porto, os primos da Póvoa. Uma casa de família grande nunca está vazia e muito menos em dias de festa. Nesses dias viamos primas e primos que já não via há muito tempo. Alguns dos meus tios tinham sempre uma guloseima no bolso para nós. Também era o dia das perguntas chatas e repetitivas. Então tiraste boas notas? Então como está o teu pai? E o tradicional, estás tão grande!
Tenho boas recordações destes dias primaveris que passavam devagar. Tenho saudades de comer amêndoas até ficar com dor de barriga. Tenho saudades do cheiro das flores, do cheiro a limpo, do cheiro do assado da hora do almoço em dia de Páscoa. Tenho saudades da missa do meio-dia e da roupa nova. Tenho saudades de tanta coisa que por vezes até tenho medo de abrir o meu bauzinho das memórias antigas….
imagem retirada da net
Eu gosto muito do Outono. No Outono as folhas mudam de cor e caiem.
Era mais ou menos assim que começava todas as redacções na escola primária sobre o Outono. Hoje ao passar nas ruas cheias de folhas caídas e amarelecidas lembrei-me de como gostava do Outono. Época em que recolhíamos sempre muitas folhas de todos os tons de amarelo, castanho, laranja e levávamos para a sala de aula, onde as colávamos em grandes painéis na parede com o titulo: É Outono! Depois fazíamos uma redacção sobre o tema, sempre por volta do dia do magusto, dia em que não faltavam as castanhas na fogueira e terminávamos o dia com a cara muito enfarruscada, mas com um sorriso enorme nos lábios!
Ainda gosto do Outono. Gosto das tardes solarengas que nos convidam a passear, mas com um casaco quentinho bem aconchegado ao pescoço. Gosto de ver os plátanos, os castanheiros e todas as árvores de folha caduca a ficarem despidas aos poucos, erguendo os seus esqueletos aos céus. Gosto de andar nos tapetes fofos de folhas caídas sentindo que a natureza se renova a cada instante. Gosto das castanhas, dos diospiros, das uvas e das laranjas que estão quase aí. Gosto da praia sossegada, da areia húmida e do mar que mesmo cinzento me apazigua a alma. Gosto das lareiras acesas, das amenas cavaqueiras entre amigos. Gosto do Outono sem muitas explicações. Talvez esteja nostálgica porque é Outono ou talvez seja sempre nostálgica seja Outono ou não… Sei que o Outono me faz pensar em coisas doces, quentinhas, e nas coisas boas da infância.
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...o meu filho, aficionado das novas tecnologias ( pc, ps2, tlm, mp3, e outras siglas), depois de o ter mandado sair do pc pela 50ª vez:
- Mãe, não percebo, o que é que vocês faziam quando não havia pc????
E pronto, o meu filho não faz ideia do quanto era bom brincar na rua livremente, fazer bolinhos de lama, inventar batalhas entre índios, construir cabanas nos pinhais, ajudar a fazer doce de tomate, ficar a ouvir o fogo crepitar nas longas noites de inverno, ler horas a fio, correr pelos campos repletos de pampilhos, jogar as escondidas no milho alto ou tomar banho em dias de calor insuportável nos sistemas de rega....
Outras IDEIAS minhas
Ideias de outros que eu gosto de ler
- As conversas são como as cerejas
- As palavras que nunca te direi