fotografia retirada da net
é a última folha e solta-se do ramo mais alto que um dia a fez folha.
desde a última primavera que eram inseparáveis, ramo e folha.
agora, solta de sua mãe, desce, num voo sereno, bailando até ao chão atapetado de outras folhas, que depois o vento se há-de encarregar de levar para longe.
os pássaros,esses, já muito antes tinham partido, num frenesim de mil asas a voar para o sul.
e a árvore ficou.
porque é o destino das árvores ficar.
as raizes que a prendem ao chão e a fazem segura para lá viverem as folhas, os frutos, os pássaros, os bichos-de-conta, as aranhas e ainda muitos outros seres que fazem dela refúgio, tambem a prendem a um destino muito próprio.
o de ficar. o de ficar sempre no mesmo lugar.
olho-a longamente e imagino-a triste por estar presa ao chão e não poder viajar como os pássaros e as folhas, correr mundo.
por não poder fugir para onde não há chuva nem frio, assim como os pássaros que ali passaram o verão.
fico ali à janela, porque a chuva me prende em casa.
olho a árvore muito tempo, tanto tempo que a chuva passou e depois voltou e o dia entardeceu.
afinal a árvore não está triste.
a árvore não está triste.
é uma certeza que tenho de repente. uma epifania se calhar.
a árvore tem uma função precisa e rigorosa.
está só à espera da próxima primavera para abrigar novas folhas e frutos.
e pássaros que farão novamente um terrivel chinfrim ali na rua.
e ainda os cães e gatos e os velhinhos parados na sua sombra.
até lá.
até lá eu vejo os seus braços de madeira erguidos no ar, balançando-se suavemente, devagarinho, numa dança só sua, feliz, tranquila, sentido a agua da chuva escorrendo pela sua pele rugosa, saboreando com prazer a frescura das manhãs, descansando no silêncio que habita ali agora.
afinal a árvore está feliz.
nenhuma impaciência, nenhuma solidão atormenta a sua alma de árvore.
ela sabe com precisão qual é a sua missão no mundo.
isso basta.
cláudia moreira
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