Dele...
Lembro-me bem porque não foi assim há tanto tempo, vá, foi assim tipo anteontem, que ouvia avidamente tudo o que se dizia sobre filhos, partos e afins. Coisas de mãe de primeira viagem. Ainda faltavam uns dias mas as vozes, ah! As vozes!, diziam-me tantas coisas… “Ah e tal porque a mim aconteceu-me isto” “ e a mim aquilo”, “e ai porque se não fosse depressa não sei que seria”, “ai, que me rebentaram as águas e não dei conta”. E eu, ai o caneco, tanta conversa. E depois eu a encaixar na minha pessoa tudo o que as outras tinham tido! Fui para casa a matutar. Lembro-me que a chuva não parava de cair e cheguei ensopada da cabeça aos pés. Subi os 12 andares até casa, de elevador pois claro. Embora pudesse, sem qualquer problema, subir pelas escadas porque só tinha mesmo a mais a barriguita proeminente, as 38 semana diziam-me coisas como “cuidado” e “não abuses”. Olhei pela janela lá do alto e perscrutei o horizonte em busca do mar. Tinha escurecido tão depressa como escurece sempre em Janeiro. Sabia que ele estava ali à minha frente, podia adivinha-lo por entre os telhados dos prédios mas na escuridão daquela noite só o podia ver quando os relâmpagos cortavam a noite de cima abaixo. Sentia-me inquieta. Pensei que mal não fazia ir ao hospital e fazer-me de ingénua, vá, fazer-me não, porque o era nesses assuntos de maternidade, rebentamento de águas e partos. Disse ao pai do rapazinho que habitava a minha barriga há oito meses e meio que o melhor era ir até lá e ver.
Entramos pela porta da frente e o hospital estava deserto. Não sei se era por causa da tempestade ou se foi uma altura sem doenças ou acidentes, o certo é que o silêncio era total. E medonho! Subimos as escadas de madeira antiga até ao primeiro andar e ninguém nos impediu. Avançamos pelos corredores rodeados por uma imensa escuridão e só depois percebemos que o hospital estava sem electricidade! Foi então que a parteira do turno da noite, que por sinal era minha conhecida, nos apareceu vinda de um cubículo onde estava a tratar da papelada à luz de um petromax. Pensei que só poderia estar enfiada num filme de terror de muito pouca qualidade. Era ali que o ia nascer o meu filho? O meu primogénito? O meu mais que tudo?
A minha amiga encaminhou-nos para uma sala, sempre imersos num estranho silêncio, onde não se ouviam sequer máquinas a medir batimentos cardíacos como seria de esperar naquele lugar. Disse-me que não, que não seria naquela noite. Disse-me: “volta amanhã, mas não aqui, vai para o hospital da cidade vizinha”. Ao que constava tinha mais luz e mais condições para trazer crianças ao mundo. E eu no dia seguinte fui, portanto ontem, e o meu filho nasceu, mais cedo do que o esperado, ansioso por conhecer o mundo! Nasceu num fim de tarde muito escuro e de muita chuva, cujas gotas grossas se desfaziam nas vidraças das janelas antigas do hospital. O meu filho lindo, fofinho e frágil chegava ao mundo ao som dos dinossauros, uma série que eu gostava tanto e em que o bebé dinossauro dava com uma frigideira na cabeça do pai e dizia: tu não és a mamã, tu não és a mamã! E eu, tão agradecida por aquela dádiva da vida, sorria. Já o tinha nos braços a respirar, perfeito! Tinha sido uma aventura e tanto! O dia anterior, aquele dia, e embora eu não soubesse ainda naquele momento, todos os dias seguintes seriam uma imensa aventura, até este preciso momento em que escrevo estas palavras. O mundo inteiro pode não fazer sentido, mas quando olho nos olhos do meu filho, ou quando me abraça ao ponto de me fazer doer e me chama pequeninha e baixinha eu sorrio, feliz, esquecida de todos os problemas e mágoas do mundo.
Outras IDEIAS minhas
Ideias de outros que eu gosto de ler
- As conversas são como as cerejas
- As palavras que nunca te direi