Quando cheguei ao lugar onde queria ir, o sol estava a pôr-se por detrás duma estranha torre, muito alta e que parecia à beira de ruir a qualquer momento. Tinha caminhado todo dia por caminhos de terra batida e sem sombra e sentia-me muito cansada. A boca seca fazia-me sofrer até ao limite do suportável. Apetecia-me muito um pouco de água fresca e perguntei a um grupo de pessoas que estava ali no caminho, já muito perto da torre, onde poderia encontrar uma fonte. Olharam-me de forma estranha por breves momentos e depois continuaram a discussão. Estranhei o que ouvi porque não pareciam falar todos a mesma língua. Gesticulavam muito e pensei que poderiam bem começar a agredirem-se a qualquer momento.
Continuei o meu caminho na esperança de encontrar água e algum alimento. Não encontrei água nem alimento mas vi várias pessoas solitárias, sentadas em pedras que olhavam o céu como se estivessem sozinhas no mundo. Quando cheguei tão perto da torre que lhe poderia tocar se quisesse, fiquei abismada com a sua altura e imponência. Não conseguia deixar de me sentir pequena, minúscula, um pontinho no mundo.
Entrei, sonhando com um pouco de água. Lá dentro várias pessoas andavam dum lado para o outro como se estivessem a falar para uma multidão, mas na verdade ninguém lhes estava a prestar atenção. Falavam linguas diferentes pelo que pude perceber.
Avancei mais um pouco, esperançada em que algum deles falasse a minha própria língua. Mas não, nem uma voz falava a mesma língua que eu. Senti-me perdida ali naquele edifício demasiado grande habitado por demasiadas pessoas estranhas. Corredor após corredor, vi gente tão diferente entre si como nunca antes tinha visto. Todos falavam alto e pareciam zangados, gesticulando como se discutissem com um interlocutor fantasma.
Comecei a sentir-me demasiado assustada, demasiado aflita. Continuava com a boca seca e sentia a cabeça a latejar. Sentia-me só.
Corri. Corri o mais que pude. Atravessei corredores, salas, mais corredores e mais salas. Cheguei a becos sem saída e a varandas que não o eram. Continuei a correr. Só queria encontrar a porta e sair dali. sentia os pulmões sem ar. Sentia-me a sufocar. Mesmo assim não podia desistir de tentar sair daquele lugar confuso e assustador, por isso continuei a correr até à exaustão.
Depois, quando já achava não ser possível, encontrei uma porta que me pareceu dar acesso ao exterior. Felizmente estava certa. A porta estava entreaberta e corri até ela de mãos estendidas para num só gesto abrir e sair. A porta era demasiado pesada e bati com força na madeira grossa e rija. Nos braços surgiu uma dor lancinante do embate. Tentei abrir mais a porta para passar mas não consegui. Encolhi-me e passei pela pequena fresta da porta entreaberta. Cá fora deixei-me cair sobre os joelhos, dobrei as costas e deixei a cabeça tombar na terra. Estava para lá do limite das minhas forças. Fechei os olhos e coloquei as mãos nos ouvidos. Não queria ouvir mais nada nem ver mais nada daquele estranho lugar. Só queria dormir.
Abri os olhos. Era de manhã e eu estava na minha cama. Afinal tinha sido um sonho. E que sonho! Aliás, um pesadelo. Arranjei-me e desci até à cozinha onde o resto da minha família já estava tomar o pequeno-almoço. A minha mãe falava com o meu irmão que parecia não entender o que ela dizia. O meu pai lia o jornal e falava com toda a gente mas ninguém fazia questão de o ouvir. A minha irmã reclamava de tudo mas a minha mãe parecia não a entender e respondia coisas que não tinham nada a ver. A minha avó resmungava sozinha enquanto esperava que alguém a servisse.
Engraçado, pensei, muito parecido com o meu sonho. Não tomei o pequeno almoço, peguei numa maça e acenei um “até logo” apressado. Cheguei à escola para o primeiro dia de aulas e a primeira seria de Francês. Seca, pensei. O professor mandou-nos abrir os livros e eu suspirei.
- Meninos, para que entendam a necessidade de estudarem novas línguas vou começar por vos contar uma história. É a história da Torre de Babel.
Por Cláudia Moreira para a Fábrica de Histórias
Texto de ficção
Outras IDEIAS minhas
Ideias de outros que eu gosto de ler
- As conversas são como as cerejas
- As palavras que nunca te direi