Dou por mim a pensar se fui criança porque é como se tivesse nascido e depois de repente já estivesse aqui, na vida adulta. Esforço-me por lembrar mas não é fácil. Está tudo muito escondido pelos anos últimos problemáticos anos. Escarafuncho na memória em busca de algo que me faça sentir que já fui criança. E, que já me parece pedir muito, ainda conservar uma parte dessa criança que fui. Não é fácil quando se teve uma infância numa casa pobre, numa aldeia pobre, nos anos idos de 70, marcada pela revolução em marcha e tanta mudança. Por fim, lá vislumbro algo. Parece que sim, que adorava a escola e a minha professora, D. Maria Albina, que nunca me deu nenhuma reguada e até me levou a Lisboa como prémio de ser a melhor aluna da escola. Lembro-me de tardes passadas a costurar roupinhas para uma mini boneca que não mexia os braços nem as pernas. Lembro-me de pedir à minha avó que me deixasse ajudar a amassar o pão e depois a tirar a broa quentinha do forno. Lembro ainda o nascimento das minhas irmãs e da alegria imensa, embora ligeiramente perturbada pelo facto de ter que ajudar a tomar conta delas e isso me roubar o tempo de brincar. Também descubro os colares, pulseiras e coroas de princesa que fazia com as flores amarelas que inundam os campos no Verão. E as tardes passadas a ler e a reler a colecção de “Os cinco” que alguém me emprestou e a sonhar que entrava com eles em todas as suas maravilhosas aventuras. E depois ter descoberto os livros do meu pai e os começar a ler à socapa, adiando até ao último minuto as tarefas das quais tinha sido incumbida.
Parece que sim. Tive infância afinal. E busco dentro de mim um bocadinho dessa infância e não sei o que vejo. Mas é possível que ainda exista essa criança dentro de mim quando sinto vontade de me deitar nas searas a ver o céu azul e as nuvens brancas a cortá-lo velozmente. Ou quando me apetece cantar e me atrevo, no carro, com a minha filha, alto e a bom som, a cantar “Anda comigo ver os aviões”. Ou quando ainda me apetece ler livros infantis ou lamber o dedo depois rapar com o dito, a taça onde se fez a massa do bolo. Talvez sim, é possível, mas não sei. Falta-me talvez a fé no futuro, a inocência que faz com os olhos das crianças brilhem como estrelas no firmamento e as faça querer crescer, viver e acima de tudo ser. Mesmo assim, tenho esperança de um dia recuperar esse brilho no olhar que me faça ser criança outra vez, de sorriso rasgado no rosto e coração aberto e de voltar a dar saltinhos de contentamento, ou chorar em publico sem vergonha. Talvez. Talvez. E enquanto houver um talvez…nada está perdido!
Outras IDEIAS minhas
Ideias de outros que eu gosto de ler
- As conversas são como as cerejas
- As palavras que nunca te direi