Há dias fiz 18 anos e embora não me sinta em nada diferente sei que algo está prestes a mudar. É vida de adulto agora, dizem-me. Penso nisso.
O que ouço à minha volta não é animador. Crise, falta de dinheiro, falta de oportunidades, desemprego, fome até. Assusta-me um pouco, mas não desanimo. Penso.
Estou prestes a terminar o 12º ano na área de informática, a área de que sempre gostei e na qual até acho que me safo bem. No entanto para seguir em frente deparo-me com vários problemas. Não por ordem de gravidade mas apenas a cronológica, o primeiro problema: o exame de acesso que deve ser o de matemática e para o qual não estou preparado. Não vale a pena dizerem-me que tivesse estudado porque não é só esse o problema. O único curso de informática na escola é um curso profissional e o nível da matemática infelizmente não está ao nível do exame de acesso ao ensino superior. Posto isto preciso de um explicador para o qual não tenho dinheiro porque cobram aquilo que um pobre não pode pagar. Esta é primeira barreira. Mesmo que a consiga ultrapassar vejo-me preocupado com a situação familiar. Sei que não possuímos rendimentos familiares para me manter a estudar, logo, preciso de um part-time para ajudar pelo menos a pagar as propinas. Talvez a minha mãe me alimente e vista por mais uns tempos… à custa de sacrifício, sei-o. Mas o curso de informática da escola pública aqui perto de casa é de cinco anos. Serão cinco anos de sacrifícios, penso. Penso e suspiro. Terei 23 anos quando acabar, se tudo correr muito bem. A minha mãe não terá nenhuma folga financeira, porque entretanto a minha irmã também estuda, e eu não terei um tostão para levar uma eventual namorada ao cinema. Suspiro. Depois penso na possibilidade de ter uma bolsa. Talvez a consiga, talvez não. O certo é que a bolsa que me deram no 10º ano já está em metade e é uma ninharia quanto mais o preço da propina. Se me derem a bolsa, não posso esquecer o passe para o metro, comer fora de casa e livros e fotocópias, que pelo converso com amigos são às resmas. Continuo a pensar, valerá a pena o sacrifício? E depois, se tudo correr muito bem e eu conseguir fazer o curso? Que portas se irão abrir para mim neste país? Os jornais dizem que nunca houve tanto desemprego como agora. O governo diz que devemos emigrar. Os professores não sabem se amanhã terão trabalho. As indústrias fecham. As lojas fecham. O estado não emprega. Quantos informáticos terão emprego no futuro? Quantos somos neste pais? Quantos licenciados? Quantos jovens?
Terei 23 anos. Não saberei o que fazer com o diploma. Trabalharei numa caixa de supermercado se entretanto os mesmos não continuarem a despedir. Não saberei para que serviu o meu esforço e o esforço da minha família por tanto tempo. No final serão 17 anos de estudo. Para me animar a fazer esse esforço penso que SE aparecer uma oportunidade estarei preparado. Mas esse SE é tão distante neste momento…
Tenho 18 anos e tenho muitas dúvidas. Que será de mim? De nós? Que hei-de fazer? Abandonar já o país em busca de uma vida melhor? Esperar? Que esperança há aí para mim e para outros tantos como eu? Que esperança nos dão de podermos ter oportunidades? Quem nos deve dar respostas? Desconfio que são aqueles que nos tiram a esperança no futuro e isso deixa-me a pensar. Que país é este em vivo os meus 18 anos? Penso. Suspiro.
...foi coisa que nunca gostei. E agora definitivamente andamos a dar passos atrás. Até onde isto poderá ir? Ou melhor, até onde vamos deixar que isto vá?
Por Cláudia Moreira para o blog Junkeira o texto "Cinema"
O Outubro tinha acordado fresco. Ela envergava um casaco azul céu de fazenda gasta e caminhava devagar, exibindo as pernas longas e belas, através das ruas pejadas de folhas coloridas. Ele vislumbrou apenas o casaco azul a entrar na porta do velho cinema antes de entrar também. O cinema já tinha visto melhores dias. A tinta a descascar das paredes, os velhos posters na parede a enrolar nas pontas, o cheiro a mofo, sinais da decrepitude de um edifício que outrora tinha sido majestoso. As matinés eram os filmes gastos, presos dentro de gastas bobines metálicas. Sentaram-se quase lado a lado, sem querer. Pelo canto do olho ele viu o perfil dela. Um nariz perfeito, um queixo perfeito, umas pestanas longas a sobressair nas sombras. Viram a dois, separados por alguns lugares, o clássico “The Swing Time”. Na tela, a Ginger e o Fred dançavam maravilhosamente bem, sorrindo, incansáveis, um para o outro. Na sala de cinema ela sorriu e ele também. Depois, sorriram um para o outro. A falta de mais espectadores na sala dava-lhes a condição de quase íntimos, como se estarem apenas ali os dois lhe desse a dispensa das apresentações formais e consequente conhecimento.
Nas tardes que se seguiram sentaram-se timidamente lado a lado. Sozinhos na sala. Sempre sozinhos na sala. Nestas tardes de Outubro o cinema parecia abrir as portas apenas para eles. Depois do “The Swing Time” seguiu-se o “Os homens preferem as loiras” e depois o “O pecado mora ao lado” e depois o “Prisioneiro do passado” e depois outros clássicos, muitos outros clássicos.
Foi durante o “Casablanca” que aconteceu o inevitável. A mão dele invadiu o espaço dela e tocou-lhe ao de leve a pele macia da mão. Depois agarrou-a com avidez. Era quente. A dele também. Olharam-se profundamente. Depois, ao som da música um pouco roufenha que saia algures das paredes e esquecidos do projeccionista, trocaram o primeiro beijo. Trocaram um beijo de cinema. A cara um pouco de lado, olhos fechados e a respiração suspensa. O beijo de cinema depressa se transformou num beijo arrebatado. Apaixonado. O fresco de Outubro já não o era e a sala pareceu-lhe subitamente mais pequena. Na tela o Humphrey beijou a Ingrid. Eles não viram. Os rostos afogueados, as mãos irrequietas, as bocas sôfregas. Abraçaram-se sem se importarem que os braços das cadeiras os magoassem nos braços, na barriga, nas ancas. Ela sentiu o cheiro ténue da transpiração dele. Ele sentiu a fragância a flores que emanava da pele dela. Olharam-se nos olhos e estavam tão próximos que os seus hálitos se fundiram. E essa fusão era boa e era doce. Beijaram-se novamente.
Não ficaram até ao final do filme.
Não se despediram da Ingrid e do Humphrey.
O projeccionista não os viu sair.
Havia agora mais um filme de amor a fazer. Tinham o mundo por cenário e eles já eram os actores principais.
Outras IDEIAS minhas
Ideias de outros que eu gosto de ler
- As conversas são como as cerejas
- As palavras que nunca te direi