ou
Para onde nos leva este caminho?
A primeira coisa que sentiu foi algo a partir, como um vidro a cair no chão. Depois, cada pedaço afiado do coração partido entrou na carne do seu peito e a dor espalhou-se rapidamente pelo resto do corpo.
Eles continuavam abraçados. De onde estava podia perfeitamente ver a forma íntima como ele a abraçava, rendido, em busca de protecção. Os braços dele em volta dos braços dela, o rosto dele no ombro dela, enterrado nos seus cabelos loiros. Se se esforçasse um pouco, ela poderia perfeitamente imaginar que ele estaria a apreciar o cheiro a camomila do champô dela e a sentir na pele do rosto a maciez dos seus fios dourados.
O abraço demorou um tempo infinito. E durante todo esse tempo as lascas afiadas foram-se enterrando mais e mais fundo em cada músculo, nos pulmões, no diafragma e por fim raspavam-lhe já o esterno e as costelas. Se Matilde continuasse ali a olhar, em breve as pontas afiadas do coração partido furariam a pele e ficariam à vista. Não seria bonito de se ver.
Gostava dele. Gostava muito dele. Matilde fechou os olhos e mordeu o lábio inferior. Recolheu a sua mente até ao mais profundo de si e tentou não chorar. Não podia chorar ali em frente ao homem que lhe enchia os pensamentos de dia e os sonhos de noite. Desejou poder derreter e fundir-se com a terra, desaparecer no solo para sempre. Em vez disso, sentia cada célula do seu corpo pulsar ao ritmo do seu coração.
Matilde fez um esforço para abrir os olhos e enfrentar a realidade. Afinal o tempo tinha sido misericordioso com ela e não estava estagnado e eles já não estavam no seu campo de visão. Aproveitou o momento para se levantar e sair. Precisava de ar. A sala estava cheia de gente e não foi fácil desviar-se dos grupos animados e barulhentos que conversavam e riam. As conversas misturavam-se com o fumo dos cigarros. As mãos seguravam copos cheios de bebidas coloridas. A festa estava, talvez, no seu auge. Alguns amigos olharam-na como se estivesse doente, mas Matilde não se deteve a explicar. Chegou à porta da rua com as pernas a tremer, as mãos não queriam obedecer e só a custo a conseguiu abrir. Depois e só já no elevador se permitiu respirar. No espelho que cobria toda uma das paredes do elevador viu reflectida uma mulher profundamente magoada. Desejou não ser essa mulher.
(...)
texto inédito
de Cláudia Moreira
Outras IDEIAS minhas
Ideias de outros que eu gosto de ler
- As conversas são como as cerejas
- As palavras que nunca te direi