imagem retirada da net
Depois de ele ter ter sido enterrado ela deitou-se no chão em posição fetal e chorou. E chorou. Mas por mais que chorasse não conseguia lavar a sua alma. Estava negra de dor e tristeza. Acabara de perder tudo. O marido, o seu casamento, o amor de uma vida. Já nada mais lhe restava. Apenas a morte que tardava tanto em chegar.
Como poderia viver sem a razão da sua existência? De que servia trabalhar, ter uma casa, amigos? De que servia ter uma vida que já não fazia sentido viver? De nada… já não fazia sentido.
A custo foi sobrevivendo, vegetando, fazendo de conta que vivia. Passaram alguns dias e sentiu-me mal. Pensou que era da tristeza. Sim, ela sabia que a tristeza às vezes também mata e não se importou. Só mesmo quando a levaram em braços para o hospital é que seu deu conta que algo de errado se passava. Mas também não se importou.
Quando lhe vieram dizer que esperava um filho foi como se tivesse levado uma pancada. Sentiu-se atordoada. Uma dor visceral atravessou-a de um lado ao outro. Só lhe apeteceu morrer. Um filho de um morto. Nada poderia ser mais terrível.
Voltou para casa e a custo comeu, dormiu, trabalhou, mas nunca pensou no que lhe estava a acontecer, apenas pedia ao ser supremo que a levasse para junto do marido. Não queria viver nem queria ficar ligada a alguém que lhe lembrasse o marido defunto.
E assim os dias e os meses foram passando, uma estação deu lugar a outra e o dia da criança nascer chegou.
Estava cheia de dores e só maldizia a sua sorte. Estava sozinha, pois não tinha permitido a ninguém que a acompanhasse. As dores eram muitas e ela só chamava pelo marido morto. As enfermeiras estavam aturdidas. Nunca tinham visto uma mãe tão triste. Aos pouco perceberam que era uma jovem viúva amargurada e não lhe invejavam a sorte. Mas também não compreendiam como poderia ela não querer aquele filho. Mas na verdade ela não queria aquele filho e não se queria a ela própria. Estava demasiado deprimida.
A hora estava mesmo a chegar, na cama do hospital ela contorcia-se de dores. Gritava mudamente. A parteira ajudou-a com o bebé, uma enfermeira deu-lhe a mão que ela agarrou furiosamente e outra limpou-lhe a testa molhada. E por fim o bebé nasceu. Era um menino.
Ela não conseguiu reter as lágrimas. Era um menino tão lindo, pequenino, frágil, indefeso. Puseram-no em cima do seu peito. Ela devagarinho tocou-llhe e sentiu a pele quente, o corpo macio de bebé. Um choro baixinho saiu da sua boca e as mãozinhas no ar em busca de algum apoio. Aos poucos abraçou aquele corpinho, embalou-o nos seus braços cansados. Encostou a cara à cabecinha do pequenino ser e fechou os olhos. A emoção invadiu-a em ondas reflectidas. De repente sentiu-se cheia de amor por aquela criança. Ali dentro daquele bebé minúsculo corria o sangue do amor da sua vida. Era fruto dele. O seu próprio sangue também corria dentro desse bebé. Com muito, muito amor, eles tinham feito uma nova vida. As lágrimas secaram como por magia. O peso no peito desapareceu. Um sorriso tímido surgiu nos seus lábios. Sentiu o pulsar do pequeno coração no seu peito e viu pela primeira vez em muito tempo um raio de sol a entrar pela janela.
Quando lho tiraram do peito para o levar para limpar e vestir pareceu-lhe a ela que lho arrancavam à força. Tantos sentimentos que de repente mudaram dentro de si. A tristeza deu lugar à alegria, a raiva deu lugar à tranquilidade, a revolta deu lugar à paz e a angustia deu lugar a um amor enorme por aquela criança. Sentiu que nascia de novo juntamente com aquela criança. Sentiu que a alegria de viver nasceu de novo com aquele menino. Sentiu que a vida lhe deu uma segunda oportunidade de ser feliz. Aquele menino era uma vida nova e ao mesmo tempo era a continuação daquela que perdera. Sentia-se me paz, finalmente.
A enfermeira veio trazer um embrulho onde espreitava um rostinho minúsculo e perguntou como se iria chamar o bebé.
- Gabriel, como o pai…
Texto de ficção escrito para a Fábrica das Histórias
Autor: Cláudia Moreira
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