imagem retirada da net
Íamos as duas de mãos dadas, saltitando felizes pelos passeios das ruas iluminadas para o Natal, vendo montras e chilreando como passarinhos na Primavera.
- Mãe! Olha que camisola tão linda!!
- Mãe! Posso ter aquela boneca? É tão linda!
- Vamos ver filha, vamos ver…
- Mãe! E aquele carrinho de chá?
Eu ria-me. E ela também. Tantos pedidos! Tantos desejos! Os olhos dela brilhavam de felicidade inocente.
- Olha! Olha! Olha! – Largou-me da mão e correu a colar o nariz no vidro da montra dos brinquedos. Um enorme comboio colorido corria pelos carris em miniatura deitando fumo pela pequenina chaminé. Que delicia.
Foi nesse momento que várias pessoas se meteram entre nós e deixei de a ver por escassos segundos. Apressei-me na direcção dela, mas quando cheguei ao pé do vidro já não a vi. O meu coração deu um salto e um grito ficou sufocado na minha garganta. Olhei para um lado e para o outro e via-a dobrar a esquina. Corri atrás e vejo-a a olhar para um menino de pé descalço e ranho no nariz que a olhava também. Ia para ralhar pois ainda não estava refeita do susto, mas fiquei a ouvir, protegida pela sombra da noite.
- Estás descalço? Não tens frio?
- Tenho...mas não tenho sapatos.
- Não tens sapatos? – a voz dela mostrava a surpresa que essa informação lhe causava.
- Não, não tenho. O meu pai é doente e não trabalha e a minha mãe também não. Está desempregada.
- Isso quer dizer que não vais ter presentes de Natal?
- Nunca tive nenhum. Às vezes o meu pai trazia uns brinquedos usados da casa de uns tipos ricos e dáva-nos. E roupas também. Mas agora não sai de casa e a minha mãe bebe muito.
A minha filha estava de lágrima no olho, pude perceber pelo tremer da sua vozinha de criança.
- Vou pedir à minha mãe para te dar um presente...
- Achas que ela faria isso? – a ansiedade na voz do rapazinho fez-me sentir um aperto no peito. E se fossem os meus filhos?
- Claro que sim. Eu peço coisas e ela dá-me, por isso se pedir para ti ela também vai dar!
Neste momento aproximei-me e pedi ao rapazinho que me levasse até casa deles. Dei a mão à minha filha e fomos andando por becos escuros e ruas sujas, bem diferente da rua de onde tinhamos vindo, cheia de luzes e pessoas bonitas e bem vestidas.
Entramos numa casa muito pobre. Lá dentro um homem estava numa cadeira de rodas e uma mulher estava caida no sofá a dormir. Duas crianças pequenas choravam num berço que já não era novo há muito tempo...
As lágrimas vieram-me aos olhos e ao olhar para a minha filha que ainda não tinha completado dez anos, vi que também ela chorava.
- Mãe...quero dar as minhas prendas todas a estes meninos...
Acariciei os seus cabelos e sorri entre lágrimas com tanta generosidade.
- A mãe vai resolver isto, não te preocupes.
Ainda antes do dia de Natal a mãe do rapazinho de pé descalço estava a trabalhar e tinham roupa suficiente para o Inverno todo. Montamos uma arvore de Natal e enchemos a despensa para um mês inteiro. No dia de natal fizemos questão de convidar esta familia para jantar na nossa casa.
Via-se que estavam felizes. Às vezes dar a mão a alguém pode fazer toda a diferença. A esta familia fez diferença e a nós não fez diferença nenhuma, ter mais um presente ou mais um pouco de comida na mesa. Repartimos o que tinhamos e tambem nós sentimos o nosso coração cheio de alegria.
Esta história já aconteceu há muitos anos, mas é uma história que se repete ano após anos. Eu e minha familia prometemos que enquanto tivessemos forma de ajudar o fariamos, por isso todos os anos por altura de Natal vamos à procura destes meninos de rua. Vamos tentar de alguma forma tornar o seu Natal mais bonito, mais quente, mais doce.
A minha filha cresceu e hoje é ela que trata disto tudo. Digo sempre que é ela a culpada desta tradição, e é, porque não houve ano nenhum que não tivesse sido ela a primeira a falar no assunto assim que Dezembro espreita no nosso calendário...
Texto de ficção para a "Fábrica das Histórias"
Autor: Cláudia Moreira
Outras IDEIAS minhas
Ideias de outros que eu gosto de ler
- As conversas são como as cerejas
- As palavras que nunca te direi