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Quando eu era ainda uma miúda de saia de peito e frizestes no cabelos ganhei medo ao Carnaval. Medo não é a palavra mais adequada, era na verdade mais um terror desmesurado dos Entrudos. Quando era ainda uma miúda de tranças e laços no cabelo, o Carnaval queria dizer que nos viriam bater à porta pessoas de sexo indefinido, muitos velhos, parecendo muito sujos, de máscaras muito feias a cobrir a cara, todos muito mudos num silêncio aterrador, mãos no ar e lenços de velha na cabeça. No meu tempo, ainda antes de ir aprender a ler, não havia gente pouco vestida a dançar nas ruas nem mascaras de princesa, de boneca ou de homem aranha. Quando chegava o Carnaval eu sabia que mais tarde ou mais cedo eles haviam de aparecer a espreitar por entre as heras que cobriam o muro do quintal da minha avó, depois iriam forçar o pequeno portão, parecendo mesmo que me viriam apanhar. Os Entrudos, para mim gigantes, que espreitavam por entre as heras vinham aos dois ou três e às vezes até mais e corriam o bairro todo a bater às portas, a coxear, a brandir vassouras, paus, panelas e outros objectos de natureza mais ou menos estranha. Nesse dia, não havia brincadeiras na rua com o resto da criançada pois eu só queria era que o dia passasse depressa e chegasse a noite. Eu sabia que quando ela chegasse aqueles seres maléficos, que por causa da minha pouca ididade, eu nem sabia que eram gente, haveriam de ir embora para só voltar dali a um ano.
Talvez por isto, ainda hoje, dispenso bem esta loucura foliona e carnavalesca que se instala em todo o lado.
cláudia moreira
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Aviso: texto delico-doce, mas não demasiado.
Havia um homem na Terra entre muitos. O homem era rico. E também poderoso. Tinha uma fisga gigante denominada catapulta. Com ela lançava objectos ao longe com o intuito de acertar numa árvore. Esses objectos eram pessoas que não eram ricas. Eram os pobres e oprimidos. Era um desporto comum entre os ricos, esse jogo de brincar com os pobres. Quando a pessoa pobre acertava na árvore ao longe o homem rico ria-se. Ria-se tanto que ficava com dores de barriga. Mandava buscar o pobre para lhe massajar a barriga que ficara a doer da risada. O pobre massajava-lhe a barriga e ele ficava com sono. O homem rico quando ficava com sono ficava maldisposto. E o homem rico para se livrar da má disposição atirava o homem pobre com a catapulta. Quando o pobre acertava na árvore ao longe ria-se. E ria-se tanto que ficava com dores de barriga.
Um dia desceu à Terra um enorme objecto de metal luminoso. Houve quem lhe chamasse Objecto Voador Não Identificado. Desse, doravante denominado O.V.N.I, saíram Seres, não muito diferentes de nós, mas que traziam Bondade no Semblante. Era coisa rara na Terra pois só havia ricos que se riam muito e tinham marcas de maldade na cara ou pobres que andavam tristes e humilhados e só tinham marcas de angústia na cara. De gente feliz não havia rasto há largas centenas de anos. Os ricos estavam a matar a Terra. As árvores estavam a morrer pois de cada vez que um rico respirava levava uma grande parte do oxigénio necessário à sobrevivência da Humanidade mas também expirava uma substância mortal que aos poucos ia destruindo tudo em redor chamada Ambição Desmedida.
Os Seres que saíram do O.V.N.I. vinham em missão. Havia num lugar distante do Universo um lugar chamado Ministério da Justiça Universal. Era bastante longe da Terra, mas houve um O.V.N.I que um dia passou perto da Terra e viu o que estava a acontecer com os seus poderosos binóculos. Reportaram o que viram ao Ministério da Justiça Universal pois acharam que sozinhos, aqueles pobres não se poderiam libertar das garras dos homens ricos, que sofriam de Ambição Desmedida. E por ser uma tarefa demasiado hercúlea para gente tão fustigada pela maldade pediram ajuda.
Os Seres com Semblante Bondoso doravante denominados S.S.B, traziam um documento onde dizia que a riqueza da Terra teria que ser redistribuída. As riquezas naturais e as riquezas materiais. Os homens ricos teriam que escolher entre ter riqueza material ou ter árvores e cada parte ocuparia uma parte separada da Terra. Os homens ricos por causa da sua Ambição Desmedida escolheram a riqueza material, por isso os pobres levaram consigo todas as árvores. Não foi posto em causa quem escolhia primeiro pois o S.S.B. tinham o dom da omnisciência e sabiam que o caso terminaria com Justiça.
Quando anos mais tarde os S.S.B. regressaram para cumprimentar os homens na Terra, viram os corpos dos ricos caídos pelo chão, apenas ossos, mas ostentando ainda as roupas das melhores marcas e os anéis de ouro nas falanges. Ainda se viam os corvos a sobrevoar os corpos. As casas estavam abandonadas e a cair, cheias de detritos de pássaros e outros animais. As ervas daninhas cresciam em volta das catapultas o bicho da madeira tinha dado nelas.
Num lugar afastado do caos onde tinham vivido os ricos, estavam as árvores e entre elas estavam os homens outrora denominados pobres, que agora já não carregavam na cara a angustia. Tinham o Ar Mais Puro do Universo e viviam da terra, sendo essa a riqueza suprema a que aspiravam. Já não eram pobres nem oprimidos porque já não havia opressores. Era apenas gente feliz cuja maior ambição era viver em Harmonia por oposição ao tempo em que tinha vivido em opressão.
Cláudia Moreira
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Há por estes dias um cheiro estranho no ar. Não me dei conta imediatamente de que cheiro se tratava. Passei então algum tempo de nariz no ar a ver se alguém tinha mudado de perfume, já que eu, sabia de certeza que não. Depois, equacionei se por perto teria sido instalada uma fábrica de sabonetes ou outro produto similar, mas também não era isso. Foi então que as vi, nas ruas, as magnolias já todas floridas a lembrar-nos que a Primavera já está quase aí. É isso! É o cheiro intenso da Primavera que me entra pelas narinas sem se fazer anunciar. Já não cheira a frio, nem ao vento agreste do norte. Já não cheira a terra sempre molhada e a humidade parece ter-se mudado para outras paragens. Há uma certa leveza no ar que me transporta, mesmo sem querer, para jardins relvados e esplanadas em frente ao mar, onde me deixo estar, fim de tarde adentro, com um casaco mais ligeiro. Um chá ainda vai bem, enquanto saboreio algumas páginas de um livro que interrompo por momentos, para fechar os olhos e sentir o calor do sol nas palpebras. O calor do sol nas palpebras faz levantar os cantos da boca. É uma reação automatica do corpo. Se alguem não acredita nisto, que experimente, porque depois de o fazer uma vez, vai fazer muitas e muitas vezes.
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tenho um poemário
onde guardo as palavras,
as ternuras e as saudades.
também guardo outras coisas
como fitas de seda azul
e cartas amarelecidas pelo tempo.
e morangos.
muito doces.
como os beijos que te roubo ao entardecer.
cláudia moreira
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não quero saber dos cabelos no ar,
em pé de guerra com a gravidade.
não quero saber das olheiras visíveis,
pela falta voluntária do negro do lápis.
também não importa a camisola aos quadrados,
que não condiz com coisa nenhuma.
importa o calor que fica dentro dos lençóis pela manhã.
mas sobretudo,
mais uns instantes, ainda que breves,
dentro da seda serena dos teus abraços.
cláudia moreira
devolvi a gramática à estante.
depois,
em escassos segundos desenhei um poema.
poucas palavras embrulhadas em ternura.
sem ligar à geometria dos versos mandei-to entregar.
imaginei o teu sorriso franco e o meu peito ficou mais quente.
então nesse instante o mundo pareceu-me um lugar melhor.
cláudia moreira
Outras IDEIAS minhas
Ideias de outros que eu gosto de ler
- As conversas são como as cerejas
- As palavras que nunca te direi