Falar sobre tudo e mais alguma coisa
Domingo, 21 de Junho de 2009
Em busca da felicidade perdida


 


 


 


Lembro-me vagamente de ter sido feliz. Sei que o fui. Não sei bem quando, nem porque e nem como, mas sei que o fui. Agora, há tanto tempo que no meu peito mora uma pedra e nos meus olhos um lago gelado que já nem sei bem se tudo não terá passado de ilusão. Preciso que não tenha sido.


A angústia acompanha-me em cada dia, a tristeza também. Nada me faz sorrir. Já nem sei como se faz. Às vezes olho-me ao espelho e tento fazer um sorriso. É inútil. Ergo os cantos da boca mas o que o espelho me mostra não é um sorriso, mas sim um esgar. Desisto. É demais para aquilo que posso suportar.


A pedra que mora no meu peito é inerte como todas as pedras. Não ama ninguém, não sente saudade. Não jubila. Não sangra. É apenas uma pedra feia e velha sem préstimo nenhum.


Os meus olhos outrora brilhantes de alegria são agora dois lagos escuros e profundos. Não há vida neles. Nada se mexe e nem o luar é capaz de fazer a sua superfície brilhar.


Preciso de mudar. Não posso continuar assim. Dentro de mim há algum que me diz que devo procurar ser feliz de novo, mas a minha mente faz a pergunta certeira: como? Não sei. Terei de ir em busca da felicidade. A demanda é difícil bem sei, mas não creio que seja impossível. É a velha máxima que diz que a esperança é última a morrer. E é.


Pus-me a caminho naquela que viria a ser a busca mais difícil da minha vida, mas também a mais compensadora. Percorri o mundo. Subi aos montes mais altos mas não estava lá. Procurei nos vales verdes, vi belezas como nunca tinha visto antes. Mas também não era lá que estava a felicidade. Visitei cidades, procurei dentro dos prédios. Nos museus e nas galerias de arte. Comi nos melhores restaurantes. Passeei nas praias paradisíacas dos trópicos e mergulhei no mar mais azul de todos. Vi corais e peixes multicores. Vi tantas, tantas coisas maravilhosas e mesmo assim não a vi, essa tal de felicidade.


Voltei para casa, triste, mais triste do que tinha partido. Caminhei devagar, o passo incerto de quem não tem pressa, porque nada importa mais. Abri a porta de casa e entrei.


Os meus filhos correram para mim em grande alarido, deitando-me ao chão. Os risos ecoarem pela casa. Beijaram-me tanto e disseram toda a saudade de que tinham tido de mim. O meu marido abraçou-me com toda a força. Uma lágrima soltou-se dos seus olhos. Na sua boca silenciosas formou-se a palavra amo-te. Via-se a saudade na sua cara. À minha espera tinha alguns postais de amigos, recados da família que tinha telefonado na minha ausência. Os vizinhos vieram dar-me as boas vindas. Depois que a casa sossegou e todos estava, sossegados nas suas camas, passeei pela casa e pude perceber a falta que aquele lugar me tinha feito. Passei os dedos pelos móveis, pelas orquídeas, os espelhos. Tudo no seu devido lugar. A minha secretária perto da janela. Entreabri a cortina e o luar entrou e invadiu toda a divisão. Iluminou os meus livros que durante anos e com tanto sacrifício reuni. Iluminou o retrato dos meus filhos na secretaria. Logo a seguir estava o meu e do meu marido, ambos de sorrisos abertos.


Um calor estranho invadiu o meu coração. Um aperto fez-me desejar apertar os meus filhos e marido nos braços. Recordei os seus rostos sorridentes com que me receberam nesse dia e isso encheu o meu peito de alegria. Senti cada músculo do meu corpo relaxar, fechei os olhos, ergui os cantos da boca e sorri sem esforço nenhum. Uma estranha paz invadiu-me. Desejei ficar assim para sempre, fazer durar aquele momento, multiplicá-lo. Senti-me feliz, verdadeiramente feliz. Abri os olhos e lá estava o meu marido na ombreira da porta.


- Fizeste muito falta meu amor… - ele disse-o com tanto amor, tanto carinho que imediatamente senti o meu coração ficar do tamanho de uma ervilha.


Percebi então que a minha felicidade estava ali. Estava mesmo ali ao alcance da minha mão. Sempre tinha estado. Não precisava de ter ido à procura porque ela sempre estivera ali. Eu podia ter continuado em busca que não teria nunca encontrado. A minha felicidade é a minha família, são os meus amigos. É o respirar, é o estar viva. O poder assistir todos os dias ao nascer e ao pôr-do-sol. É o poder caminhar livremente, correr e saltar. É o poder sorrir. É ter abraços de quem mais amo e poder retribuir. É poder ouvir as gargalhadas das crianças, ver o sorriso dos velhos. A felicidade está ao alcance das nossas mãos. Sempre esteve e sempre estará. Eu descobri isso e agora jamais irei esquecer.


 


 


 


Texto de ficção escrito para a “Fábrica das Histórias” por Cláudia Moreira


 


 



publicado por magnolia às 22:50
link do post | favorito

Comentar:
De
( )Anónimo- este blog não permite a publicação de comentários anónimos.
(moderado)
Ainda não tem um Blog no SAPO? Crie já um. É grátis.

Comentário

Máximo de 4300 caracteres



Copiar caracteres

 



O dono deste Blog optou por gravar os IPs de quem comenta os seus posts.

...e mais ainda...
Cláudia Moreira

Cria o teu cartão de visita
Março 2014
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1

2
3
4
5
6
7
8

9
10
11
12
13
14
15

16
17
18
19
20
21
22

23
24
25
26
27
28
29

30
31


Ideias recentes

Entrudo

Fábula

primavera

música, da boa.

poema simples

A invenção do Amor

we all do have some nost...

manhãs

poema simples

That 'cause sometimes I t...

breve história de uma árv...

O Humor dos outros.

2013 - os livros que li, ...

Feliz Ano Novo!

Porque os livros (também)...

2013 - os livros que li, ...

That 'cause I think of my...

Estes já têm lugar na min...

Quem se lembra?

2013 - os livros que li, ...

Ideias antigas

Março 2014

Fevereiro 2014

Janeiro 2014

Dezembro 2013

Junho 2013

Maio 2013

Abril 2013

Fevereiro 2013

Janeiro 2013

Dezembro 2012

Novembro 2012

Outubro 2012

Setembro 2012

Agosto 2012

Junho 2012

Maio 2012

Abril 2012

Março 2012

Fevereiro 2012

Janeiro 2012

Dezembro 2011

Novembro 2011

Outubro 2011

Setembro 2011

Agosto 2011

Julho 2011

Junho 2011

Maio 2011

Abril 2011

Março 2011

Fevereiro 2011

Janeiro 2011

Dezembro 2010

Novembro 2010

Outubro 2010

Setembro 2010

Agosto 2010

Julho 2010

Junho 2010

Maio 2010

Abril 2010

Março 2010

Fevereiro 2010

Janeiro 2010

Dezembro 2009

Novembro 2009

Outubro 2009

Setembro 2009

Agosto 2009

Julho 2009

Junho 2009

Maio 2009

Abril 2009

Março 2009

Fevereiro 2009

Janeiro 2009

Dezembro 2008

Novembro 2008

Outubro 2008

Setembro 2008

Agosto 2008

Julho 2008

Junho 2008

Maio 2008

Abril 2008

Março 2008

Fevereiro 2008

Janeiro 2008

Dezembro 2007

Novembro 2007

Outubro 2007

Setembro 2007

Julho 2007

Junho 2007

Março 2007

Março 2006

tags

todas as tags

links
Procuras alguma ideia em especial?
 
Ideias em pelicula
blogs SAPO
subscrever feeds
Em destaque no SAPO Blogs
pub